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Homenageado 25º Prêmio da Música Brasileira  Ano Samba

25º Prêmio da Música Brasileira  Ano Samba

25ª prêmio

O Samba pede passagem

Após vinte e quatro edições celebrando grandes compositores e intérpretes, o Prêmio da Música Brasileira pede passagem para comemorar seu primeiro quarto de século com um tributo ao gênero que virou sinônimo de Brasil e da brasilidade. Matriz da nossa música popular, original contribuição para o mundo, ele chegou ao século XXI esbanjando vigor e diversidade invejáveis: samba, samba-enredo, pagode, samba de roda, samba-canção, sambolero, samba-jazz, samba-rock, samba exaltação, sambalanço, samba de breque, sambanejo, samba rap, samba o que Deus quiser… A história de tamanha riqueza vai ser cantada e exaltada na cerimônia de entrega dos troféus da 25ª edição do Prêmio, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Baianos e cariocas já disputaram com fervor a sua paternidade. Mas essa é daquelas discussões sem fim e, nos últimos tempos, as duas partes, e muitos outros interessados e estudiosos, concordam que foi na então capital federal, nas duas primeiras décadas do século XX, que o gênero se consolidou e ganhou o seu padrão, a sua batida básica. Ou o “bum bum paticumbum prugurundum”, a onomatopeia que Ismael Silva cunhou para definir o estilo que ajudou a formatar com a turma do Estácio, bambas que também fundaram, em 1927, a Deixa Falar, aquela que teria sido a primeira escola de samba

Indo mais fundo no passado, como o sambista, escritor e pesquisador Nei Lopes sustenta no livro “Sambeabá: o samba que não se aprende na escola”, a palavra seria de procedência banto, “a grande família etnolinguística à qual pertenciam, entre outros, os escravos no Brasil chamados angolas, congos, cabindas, benguelas, moçambiques”. Corruptela de “semba”, empregada para designar um tipo de dança, a “umbigada” que os dançarinos usavam para introduzir na roda um novo parceiro, inicialmente o termo era usado indistintamente para diferentes ritmos de raiz africana ou festas em geral. Mas há quem aponte outras origens para o nome, incluindo “zamba”, dança espanhola de raízes mouras do século XVI. No entanto, independentemente dessa semelhança fonética, os ritmos e batuques do nosso samba vieram mesmo é da África.

A gênese desse samba moderno se deu a partir de diferentes fontes, que, no fim do século XIX, convergiram para o local chamado de Pequena África pelo sambista e artista plástico Heitor dos Prazeres. Essa área do Rio que ia das Docas à Cidade Nova concentrou grupos diversos: a grande comunidade afro-baiana, com suas “tias” e as tradições dos terreiros de candomblé e dos sambas de roda; ex-combatentes da Guerra de Canudos que formaram a primeira favela, no Morro da Providência; famílias que saíram do Vale da Paraíba em função da crise da cafeicultura; e demais migrantes mestiços e afro-brasileiros de diferentes regiões.

Uma das baianas radicadas na então Praça Onze, Tia Ciata sintetiza e simboliza muito dessa história. Nascida em 1854 em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, Hilária Batista de Almeida chegou ao Rio em fins dos anos 1870 e se tornou respeitada doceira, pelos quitutes que vendia em seu tabuleiro vestida a rigor (saia rodada, turbante, pano da costa, colares e pulseiras…). Em sua casa, os pagodes (as festas, e não o ritmo, com comida, bebida e muita música) também passaram a atrair intelectuais, políticos e jornalistas. Na sala de visita, rolavam rodas de choro, a partir de estilos europeus então em voga como valsa e polca, enquanto no fundo do quintal aconteciam os batuques de candomblé, numa época em que os cultos de origem africana eram alvo da repressão policial.

Reuniões festivas como essa se espalhavam por toda a Pequena África, mas foi na casa de Tia Ciata, em 1916, que teria nascido aquele que ficou conhecido como o primeiro samba gravado, “Pelo telefone” (com o cantor Baiano e a Banda Odeon, em disco lançado pela Casa Edison para o Carnaval de 1917). Na verdade, ritmicamente, era mais um maxixe ou um samba “amaxixado”, e, como pesquisas posteriores revelam, pelo menos dois discos já tinham sido lançados antes com o rótulo de “samba”“Em casa de baiana” (1913) e “A viola está magoada” (1914).

“Pelo telefone”, todavia, foi o que fez sucesso e ficou com a fama, mesmo que também cercado pela polêmica em torno de sua autoria. Ele surgiu numa roda de improvisos com a participação de, entre outros, João da Mata, Sinhô, Hilário Jovino, João da Baiana, China e Donga, mas foi registrado pelo último, que depois acrescentou ao contestado crédito o nome de Mauro de Almeida.

No fim dos anos 1920, ao criar a “Deixa Falar”, a turma do Estácio também lançou as bases do samba moderno. Diferentemente dos espontâneos blocos de sujos da época, o grupo criado por Ismael, Bide, Marçal, Newton Bastos e companhia tinha alguma organização, cores oficiais (vermelho e branco) para suas fantasias, uma ala de baianas e, no que foi decisivo para a mudança, o instrumental apenas percussivo (sem os sopros usados por blocos e ranchos) e a batida do tal “bum bum paticumbum prugurundum”, que estimulava o desfile (e não a dança restrita às rodas). Logo esse tipo de samba, mais urbano e sincopado, também começou a imperar em demais morros cariocas e nos subúrbios da Central. Enquanto isso, outra vertente, a do samba-canção, aberta à influência do foxtrote, então o ritmo estrangeiro do momento, também ganhava espaço em meios aos compositores e intérpretes. Assim, entre o morro e o asfalto, o novo estilo se estabeleceu e prosseguiu sua expansão, tendo como aliado o disco e o rádio, nas mãos e nas vozes de gente como Noel Rosa, Carmen Miranda, Wilson Baptista, Mário Reis, Francisco Alves, João de Barro, Ary Barroso, Henrique Vogeler, Custódio Mesquita, Linda Baptista, Aracy de Almeida, Dorival Caymmi, Lupicínio Rodrigues, Moreira da Silva, Synval Silva, Assis Valente, Geraldo Pereira, Zé da Zilda, Ataulfo Alves, Adoniran Barbosa, Cartola, Zé Keti, Nelson Cavaquinho, Manacéa, Dona Ivone Lara, Batatinha, Riachão, Paulo Vanzolini, Candeia, Monarco, entre tantos outros.

A partir do fim dos anos 1950, mesmo que presente na bossa nova, na MPB e em diferentes fusões (como samba-jazz, sambalanço e samba-rock), o gênero perdeu algum espaço no mercado, na grande mídia. Por uns tempos, ficou restrito às escolas de samba, praticado nos morros e nos fundos de quintal. Contudo, voltou mais forte ainda uma década depois, graças a gente como Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Nei Lopes, Wilson Moreira, João Nogueira, Clara Nunes, Beth Carvalho, Alcione, Eduardo Gudin, etc. Um processo de revigoramento que prosseguiu no fim dos anos 1980, com a geração do pagode, e que desde então vem evoluindo com Jovelina Pérola Negra, grupo Fundo de Quintal, Almir Guineto, Zeca Pagodinho, Luiz Carlos da Vila, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, Sombrinha, Roque Ferreira, Moacyr Luz, Dorina, Diogo Nogueira, etc.

A escolha do tema de homenagem desta 25ª edição do Prêmio da Música Brasileira é uma reverência a todos esses nomes que fizeram e fazem parte da história do samba, este gênero único, de ancestrais raízes africanas, mas que nasceu no Brasil, rodou o planeta Terra e já tocou até em Marte.

*Texto extraido do livro 25 anos do Prêmio da Música Brasileira