Compositora com uma obra grandiosa, Dona Ivone Lara também tem um trajeto de vida admirável. Nascida num meio musical, filha de um violonista e de uma pastora de blocos, perdeu os pais aos 6 anos e foi viver num orfanato, onde depois teve aulas de música com a primeira mulher do compositor clássico Villa-Lobos, Lucília.
Aos 12 anos, compôs seu primeiro samba (“Tiê, tiê”); aos 17, aprendeu cavaquinho; aos 25, já vivendo no bairro de Madureira, começou a frequentar a escola de samba Prazer da Serrinha, onde conheceu bambas e futuros parceiros como Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Aniceto. Foi na Serrinha que, em 1947, tornou-se a primeira mulher a entrar no clube do bolinha dos compositores de sambas-enredos, com “Nasci pra sofrer”. Até então, um primo, também compositor, Mestre Fuleiro, apresentava as músicas como dele, para driblar o preconceito que vigorava.
Ainda em 1947, ela estaria entre os dissidentes que criaram a Império Serrano. Além de sair na ala das baianas da nova escola, Ivone continuou participando da ala de compositores e, em 1965, estava entre os autores de “Os cinco bailes da história do Rio” (com Silas de Oliveira e Bacalhau), samba-enredo que deu o quarto lugar à Império Serrano no carnaval daquele ano.
Em seu trajeto, Dona Ivone Lara conciliou a profissão de enfermeira (trabalhando com a revolucionária psiquiatra Nise da Silveira) com a paixão pela música, compondo dezenas de sambas e participando das rodas de samba do Teatro Opinião nos anos 1960 e de programas de rádio e televisão na década seguinte. Em 1974, gravou seu primeiro álbum solo, Samba minha verdade, samba minha raiz. Três anos depois, ganhou reconhecimento nacional graças ao sucesso de “Sonho meu” (parceria com Délcio Carvalho) nas vozes de Maria Bethânia e Gal Costa. A partir daí, aumentaram os convites para shows e novos discos, e Dona Ivone Lara firmou-se como uma das compositoras mais gravadas das últimas décadas, emplacando sucessos como “Alguém me avisou”, “Não chora neném”, “Enredo do meu samba”, “Alvorecer”, “Acreditar” e “Nasci para sonhar e cantar”.
Além de parceiros como Mano Décio da Viola, Silas de Oliveira e Délcio Carvalho, fez sambas com Rildo Hora, Luiz Carlos da Vila, Jorge Aragão, Sombrinha, Paulinho Mocidade, Bruno Castro e até Caetano Veloso, letrista de “Força da imaginação”.